quinta-feira, 4 de março de 2010

Cérebro tem processo especial para lembrar algo inesperado


Você se lembra da última vez em que alguma atitude de um amigo te pegou de surpresa? Provavelmente sim; isso acontece porque o cérebro humano é ajustado para lembrar especialmente de coisas que fujam do comum.

A forma exata como o cérebro trata desses casos, no entanto, era incerta. Alguns cientistas haviam proposto a hipótese que um estímulo inesperado dispararia um circuito envolvendo tanto o hipocampo (responsável em parte pela memória de longo prazo) quanto o núcleo accumbens (relacionado com recompensa e prazer) para tornar essas memórias mais facilmente retidas. Infelizmente, sem poder investigar de perto esses centros, os investigadores não podiam ter certeza.

Uma equipe de pesquisa, no entanto, acabou de encontrar uma oportunidade para fazer justamente isso. Eles conseguiram implantar eletrodos no hipocampo de oito voluntários que haviam recebido tratamento para epilepsia, bem como no núcleo accumbens de seis pacientes voluntários para estimulação cerebral experimental profunda contra depressão. Esses eletroencefalogramas (EEG) permitiram que os pesquisadores detectassem mudanças no cérebro em “milissegundos, em vez de segundos” comparados com a fMRI (sigla em inglês para imagens funcionais de ressonância magnética), escreveu Nikolai Axmacher, da Universidade de Bonn, na Alemanha e autor principal do estudo, em um e-mail para a ScientificAmerican.com.

Quando os pesquisadores apresentavam para os pacientes uma série de faces contra um fundo vermelho por diversos segundos, seguida por uma imagem de uma casa contra um fundo verde, o EEG capturava o momento no qual cada um desses pontos era ativado quando o cérebro reagia, com precisão de milissegundos. Os pesquisadores registraram esses momentos e conseguiram construir o padrão de atividade geral entre os dois grupos de pacientes.

Axmacher e a sua equipe encontraram que, no caso de estímulos inesperados (a casa com fundo verde), o hipocampo se ativa duas vezes, e a última ativação – que é imediatamente precedida por uma atividade no centro de recompensa, o núcleo accumbens – prevê a formação de memória. As descobertas foram publicadas em um estudo on-line em 24 de fevereiro na revista Neuron.

Por que a localização precisa desses processos é tão importante para os cientistas? “O processo de aprendizado é muito seletivo”, afirmou Axmacher no e-mail. Embora os seres humanos tenham cérebros enormes, nós certamente não temos a capacidade de registrar todos os aspectos de toda experiência. “Apenas as informações relevantes recebem um ‘impulso de memória’ pelo sistema de recompensa, o que inclui o núcleo accumbens”, ele enfatizou; assim, as pessoas são mais inclinadas a lembrar os incidentes a partir dos quais possam aprender alguma coisa nova.

Às vezes, no entanto, quando encontramos alguma coisa inesperada, nós a deixamos de lado porque ela não bate com a nossa compreensão do mundo. Axmacher explica que, nesse caso, “a supressão de memórias indesejadas parece depender de um controle vertical descendente da atividade do hipocampo pelo córtex pré-frontal”, em vez de uma resposta rápida do circuito hipocampo-núcleo accumbens que ele e seus colegas confirmaram.

O implante de eletrodos, bem como o trabalho anterior sobre processamento de linguagem, gerou novos insights sobre o cérebro, incluindo essa descoberta sobre formação de memória, mas ele também tem alguns inconvenientes, Axmacher admite. Esses tipos de leituras intracerebrais “só podem ser obtidas de populações de pacientes e só permitem registros de regiões específicas do cérebro”, e, portanto, eles fornecem fotografias instantâneas do cérebro trabalhando – e em cérebros que já possuem uma disfunção. Mas ele e os seus colegas apontam que, pelo menos neste estudo, é improvável que a doença dos pacientes tenha mudado o padrão dessas ativações neurais em particular. E “esses resultados só puderam ser obtidos em populações de pacientes com eletrodos implantados nessas regiões”, Axmacher escreveu.

Apesar disso, ele e seus colegas enfatizaram no estudo que suas descobertas não explicam completamente como e porquê esses casos surpreendentes recebem um tratamento preferencial pela memória, em comparação com acontecimentos comuns. “A ocorrência de um evento inesperado provavelmente recruta uma rede de regiões do cérebro que se estendem muito além” dessas duas, eles escreveram. Só se lembre disso da próxima vez que seu amigo fizer alguma esquisitice – quer dizer, se isso for inesperado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário